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Biblioteca de Fanzines

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Menina

Menina

Era quase noite e ela estava lá entornada num sofá velho que lhes pertencia.
Tinha estrutura frágil na aparência.
Não era bela como as outras de sua cidade.
Era pequena, mas de certa forma se sentia grande!
Não grande como alguém que possui alguma coisa.
Não grande na estrutura física.
Mas, grande como alguém com grandeza na alma!
Sentia-se grande com aquela grandeza que não se vê apenas com os  olhos...

Era sempre tão rude consigo mesma.
Se auto-cobrava ter emoções que no fundo sabia que não controlava.
Estava sentada em seu sofá velho abrindo leques memórias
e emoções que realmente nem gostaria de ter, mas tinha.
Irrigada de dores e lágrimas.
E mesmo no corpo de uma mulher, sentia-se apenas uma menina.
Naquele momento, era apenas uma menina triste jogada num sofá tendo memórias.
Ela não sabia por que se lembrava de tantas coisas, mas era inevitável.
Lembra-se a todo instante!
(Do poço profundo de suas amarras.)
Irrigava-se de lágrimas, jogada num sofá velho que lhes pertencia...

Olhou no canto do chão um monte de potes de tinta que há tempos não usava
Resolveu delinear sua dor naquela parede desbotada da sala.
Cheia de emoções lembrou-se de uma menina de bom coração, com pincel,
tinta e tela nas mãos, lá no interior de Minas Gerais.
Embalou-se nas memórias mais uma vez...
‘’ Era uma menina sem sapato e estava num morro bem alto.
De vestido sujo e amarelo, laço de fita, no cabelo nada belo. ’’
Quis pintá-la!

Entornou então as tintas numa madeira velha.
Enrolou seus cabelos embaraçados.
Secou os olhos e se pôs a pintar.
Para disfarçar sua tristeza, pintou o céu com uma gota de alegria.
Foi borrando então o pincel, e pouco a pouco o enchendo de magia.
Sua pintura era mais que um céu, era uma noiva sem véu.
E, pincelando, imaginado, pouco a pouco, estrelas foi colocando.
Destacou uma em especial.
Aquela que olhava todas as noites de seu quintal,
enquanto deitada na terra, por entre as roupas do varal.
Pincelando daqui, dali e de lá aos poucos surgiu uma grande lua!
Inocente, menina inocente!
Pintou uma lua cheia dormindo...


Achou pouco o que tinha pintado, então pintou uma árvore ao lado.
Na árvore destacou um galho, um ninho e um pássaro cansado.
E mais uma vez aquela menina sentiu vontade de fazer algo mais.
Ela pintou!
Logo, fez uma menina de costas com os cabelos sendo levados pelo vento,
cabelos vermelhos embaraçados, vestido velho cinzento.
Com braço estendido apontando o firmamento!
E no outro canto fez um notável formigueiro,
com formigas passeando e um galho no chão inteiro...

Bem no fundo, um varal de arame com roupas velhas,
aparentemente estava ventando.
E, como se isso tudo já não fosse o bastante,
com olhos brilhantes pintou num instante!
- Um pequeno pé por aparecendo detrás da árvore e uma cifra musical,
uma apenas, sugerindo que alguém lá tocava.
Achou tudo majestoso.
Assinou seu nome no pé da parede.

Voltou para o sofá velho que lhes pertencia.
Deitou-se!
Olhou aquela pintura e chorou sorrindo.
Deixou a menina dentro de si dormindo.
Acendeu um cigarro e voltou a ser mulher.
- Uma mulher observando a dor de uma menina delineada na parede.

Por: Daniela Dias.