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Biblioteca de Fanzines

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Manuscrito ao Vivo - Tempo

(Eu profundo)

(Eu profundo!)

Durante minha jornada, alguns amigos vêm me dizendo que eu pareço uma
pessoa calma, que está sempre tão alegre e de bem com vida.
Que deve ser maravilhoso ser como eu, escrever poesias, ser poetisa!
Ter este dom maravilhoso de transmitir sentimentos com as palavras.
Bem, eu devo estar transmitindo isso a estes amigos. Que bom!
Que bom que não respingo meus ódios nos outros.
Mas a realidade é que nem tudo é poesia!
Eu sou como todo mundo é.
Um poço profundo de mágoas, um poço raso de vaidades e às vezes um tanto egoísta!

Tem dia que eu acordo triste.
Tem dia que eu acordo alegre.
Tem dia que eu acordo acreditando num mundo melhor.
Tem dia que eu acordo acreditando que o mundo não vale à pena.
Tem dia que eu acordo cheia de amor e magia.
Tem dia que eu acordo cheia de ódio e valentia.
Tem dia que acordo em paz.
Tem dia que acordo atormentada.
Tem dia que acordo com céu me inspirando!
Tem dia que acordo com um inferno astral me prendendo.
E eu sei que vai ser sempre assim, enquanto eu estiver por aqui.
Acordar na escuridão ou acordar iluminada.
Essa é a Daniela sem máscaras, a Daniela não retocada!

Sabe, eu não me envergonho de ser assim.
Eu nunca matei um cão!
Acho que sou até normal, dadas as circunstâncias da minha existência e merecimento.
Eu sei que independente de qualquer lado claro ou obscuro que exista dentro de mim,
eu tenho tentado melhorar diariamente.
Tenho tentado doar o melhor de mim, tanto que me enxergam assim, ’’ feliz’’!
Eu sei que o meu melhor não é tanto assim, meus defeitos se sobressaem.
Tenho tentado ser uma pessoa melhor todos os dias, independente de como eu acorde. Não é sempre que consigo é claro! Mas eu tenho tentado, entende?

Não é por que eu falo mansinho e escrevo poesia que eu sou pura alegria.
Eu tenho dores e horrores, eu tenho medos e monstros interiores.
Mas eu tenho tentado melhorar. Tenho tentado ser mais humana.
Tenho tentado doar o melhor de mim.
Vida plena e feliz? Olha posso afirmar, só existe em histórias inventadas.
Eu poderia inventar uma vida totalmente feliz pra mim e escrevê-la.
Mas a coisa toda não funciona assim.
Ainda afirmo, não sou feita só de tristezas e dores, também tenho alegrias e amores…

Penso que todo mundo é um pouco piedoso e um pouco maldoso.
E eu que não sou diferente do resto do mundo admito.
- Sou uma pessoa má.
Mas tenho tentado ser melhor, um pouco melhor a cada dia…
Nem sempre eu consigo, mas eu tenho tentado!
E eu acredito que se as dores, medos e mágoas fossem tirados de mim,
nem sobraria uma Daniela pra rascunhar esta trajetória.
Por que se essas coisas fossem tiradas de mim eu não teria mais pelo que lutar.
Eu não teria um por que para tentar ser melhor como tenho tentado.
Então é isso.
Não sou uma mulher alegre, alto astral e boazinha por vinte e quatro horas.
-Sou má, uma pessoa má que não sabe perdoar nem mesmo a família e talvez eu precise continuar sendo exatamente assim ainda que doa.

Disso tudo o que eu posso afirmar da impressão que os outros tem de mim é  que realmente é maravilhoso ter o dom de escrever.
É maravilhoso sentar e conseguir escrever sentimentos.
Mas eu não me iludo com este dom.
- Por que antes de escrever é preciso sentir.
Como estou me sentindo agora?
Como estou me sentindo para escrever esta transmissão?
As lágrimas deste momento não estão sendo capazes de me aliviar.
E mesmo assim estou aqui  escrevendo.
Me diga qual é a parte bonita disto tudo?
Estou aqui escrevendo por conta do dom.
Escrevendo para esclarecer o quanto sou de verdade.
Deixe suas expectativas de lado.
- Sou má.
- Sou má!
Mas garanto, tento tentado melhorar…

(Daniela Dias)

Música

https://youtu.be/LFa8GaAHG9A

https://youtu.be/LFa8GaAHG9A


Passeio de barco

 (Passeio de barco)

Recordar nem sempre é bom, recordar nem sempre é preciso.
Volta e meia meu baú de memórias me trai, abstrai de mim o pior.
Ao contrário dessa volta e meia, neste momento me trouxe a tona o melhor.
Minha memória.
Enfim uma boa memória!

Um passeio de barco rumo ao mato, arco-íres no céu, flecha e arco.
Pelo tamanho que lembro, era por volta dos meus seis a sete anos.
Uma fila de crianças.
Coletes salva-vidas.
Um barco marrom a motor.
Era guiado por um homem bem parecido com um índio, no entanto vestido.

Antes de entrarmos no barco, um homem que chamávamos de tio anotava nossos nomes.
A fila era do menor para o maior.
Eu era mirrada, fiquei bem no começo.
Era lindo, eu não sabia escrever, mas achava lindo o tio escrevendo no papel amarelado.
A caneta vermelha se mexendo nas mãos dele enfeitiçava meus olhos.
Todos a postos!
Hora de entrar no barco.
Um a um fomos entrando com a ajuda do tio.
Mas na minha vez o tio me mandou esperar.

Meu coração acelerava!
Pensei que não iria poder entrar no barco.
Aí ele gritou pra moça que ajeitava as crianças no barco;
‘’- A filha do Tupi tem que ir bem no meio. Ela não sabe nadar. A avó dela disse que ela tem que ir no meio. ’’
Ufa!
Eu ia poder passear no barco, Tupi é o apelido do meu pai. Minha avó nunca me quis perto do rio e ela me deixou ir, ir no meio. Como se ir no meio mudasse o fato deu não saber nadar, enfim…

Fiquei envergonhada por não saber nadar, devo informar que ainda não sei.
Depois fiquei com medo do barco afundar e depois fiquei feliz por que era incrível!
Só pensei por que tive que ficar na fila, já que não poderia entrar logo, eu queria ter ficado na ponta, mas fiquei no meio, as outras crianças tapavam a visão, mas no fim das contas meu coração pulava!
Alguém perguntou o nome do tio e ele disse que era Márcio.
Alguém perguntou o nome do rio e ele disse que era Rio Itueta.
Falou que não podíamos balançar o barco.
Puxou um coro de canções infantis, cantigas de roda e nós batíamos palmas…


Atravessamos o rio.
Lá catamos pedrinhas coloridas, eu guardei uma na calcinha por que não tinha bolso.
É curioso! Até hoje sempre que visito um lugar diferente guardo pedras de recordação.
Ele nos disse que não podíamos arrancar as flores, nem plantas.
Eu estava cansada demais pra andar, é que quando sinto medo minhas forças acabam.
E eu senti muito medo!
Então deitei no chão pertinho da margem do rio.
Deitada no chão eu olhava pra cima, via as nuvens no céu formando desenhos.
Ouvia os pássaros cantando e as árvores balançando.
Isso durou muito tempo…

O tio voltou, me deu pão com mortadela e suco de uva, aqueles de pacotinho.
Ainda adoro suco de uva! Principalmente o de pacotinho.
Todos comemos e fizemos uma nova fila.
Mais uma vez eu fiquei na frente por conta da fila ser do menor para o maior.
Mais uma vez o tio disse que eu ia ficar no meio.
Mais uma vez fiquei no meio.
Na volta ninguém cantava.
E do barco vimos o que o tio chamou de capivara.
Quando eu esticava o pescoço e conseguia ver a água, eu queria saber nadar.
O rio era tão bonito!
Era o rio de Itueta.
Mas que memória boa.
Meu passeio de barco no rio Itueta em Minas Gerais…

‘’Sinto minha infância impregnada no meu dia a dia, cada memória revive o bem e o mal que existe dentro de mim…’’

(Daniela Dias)