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Biblioteca de Fanzines

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Contradição

Contradição

Eu gostaria de desenhar minha alma.
Apagar minha dor.
Resistir ao fim do sono profundo.
Engolir a minha calma.

Eu gostaria de ascender a minha alma.
Morrer.
Quem sabe ver a vida outro lado?
Morrer.
Quem sabe estar do outro lado vendo este em que me encontro agora?
Morrer.
Quem sabe sendo um corpo vivo com a alma morta?
Morrer.
Quem sabe poder voar pra todo lado, sentir um alívio?
Morrer.
Quem sabe poder ver, ouvir e notar sem ser vista, ouvida ou notada?
Morrer.
Ser egoísta a este ponto e ponto final.
Afinal!
Morrer não é uma escolha, querendo ou não morremos mesmo.

Eu gostaria de ascender a minha alma.
Morrer.
Reviver depois da experiência da morte.
Morrer e viver sem que isso fosse um choque para todos.
Morrer.
Apenas sentir como seria o outro lado.
Ainda que eu acredite que ele não exista.

Eu gostaria de desenhar minha alma.
Apagar minha dor.
Resistir ao fim do sono profundo.
Engolir a minha calma.

É duro ver a mim mesma de dentro pra fora.
Até na morte sou contradição.
Egoísta, ignorante, um cão.
É duro conviver comigo mesma.
É duro querer e não poder.
- Morrer…

Daniela Dias.


(Família)

(Família)

Comi.
Mastiguei.
Mastiguei.
Mastiguei.
Engoli.
Ruminei.
Remoí.
Embrulhou-me.
Vomitei.
Comi novamente.
Depois cuspi…

(Família)

Por que comi?
Por que mastiguei?
Por que mastiguei?
Por que mastiguei?
Por que engoli?
Por que ruminei?
Por que remoí?
Por que me embrulhou?
Por que vomitei?
Por que comi novamente?
Por que depois cuspi?

Sei lá!
Era mágoa!
Era dor!
Era tudo o que eu não queria.
Comi e cuspi noite e dia.
Era dor!
Não era alegria.
Era mágoa!
Não era poesia

Dor!
Era dor
Era dor!
Era dor!
Era família…

(Daniela Dias)

(Narração) -Cartas Lacradas-



(Narração)

-Cartas Lacradas-

Pouco tempo atrás, um ano mais ou menos, eu conheci uma garota comum.
Eu não vou descrever sua aparência física, nem dizer o que ela costuma fazer para
 não comprometer sua identidade. Mas ela é uma garota aparentemente fria.
Fria como uma rocha, uma rocha até macia eu diria.

Quando nos conhecemos ela estava em olhando para o mar, eu fiquei observando-a.
Ela olhava, olhava perdida como se estivesse procurando alguma resposta.
Deixei os amigos de lado e fui até ela, senti que precisava.
Nos olhamos, sorrimos e depois do aperto de mãos, nos abraçamos.
Não dissemos nada, apenas nos sentamos e ficamos lá olhando o vai e vem das ondas.
A partir daí estabelecemos um contato, uma amizade.

Outro dia ela me pediu para encontrá-la, e escrever um sentimento dela, pois ela mesma
não saberia. Na verdade, eu não gosto deste tipo de pedido, por que tenho medo de escrever e não corresponder à expectativa solicitada. Mas eu senti que talvez pudesse, expliquei todas estas coisas pra ela, sobre o lance de escrever, como é pra mim.
- Escrever é uma coisa que vem de dentro.

Então fui encontrá-la num barzinho desses bem ‘’boteco’’ mesmo.
Ela vestia uma blusa xadrez, um jeans batido e um usava um brinco bem elegante.
Só de olhar pra ela já percebi que não era sobre alegria que ela queria que eu escrevesse.
Nos sentamos, pedimos uma cerveja pra ela e duas doses de cachaça com limão e sal pra mim.
Fizemos todos os cumprimentos que as pessoas fazem quando se encontram nos sentamos.
Uma pausa de silencio e nenhum sorriso, embora eu até tivesse tentado.

Depois do brinde a vida, a amizade e a poesia e dois copos ela abriu o maço de cigarros,
tirou um isqueiro verde do bolso e o acendeu.
Tragou três vezes com muita força, abaixou a cabeça como se não sentisse coragem mais
 pra falar, eu a encorajei.  ‘’Pode falar sem medo. ’’
Ela parecia amarga, fria, petrificada e naquele momento tudo o que eu precisava era ouvi-la.
 Ouvir o que ela tinha a me dizer, ouvir o que ela precisava me dizer.

Então eu fiquei em silêncio olhando pra ela que já estava acendendo o segundo cigarro.
Tentei esvaziar a mente e atravessar aquelas paredes rochosas em volta dela.
Eu sei que ela só me chamou até lá por que sabia que eu tentaria.
‘’Ver além do que estava por fora. ’’
Então ela me contou o que a afligia naquele momento:
- Eram as cartas fechadas…

(Notem que fiz várias perguntas em meio ao que ela me contava para produzir o texto daqui em diante. Eis agora a narração mais profunda que já escrevi até hoje.)

Quando menina, ela morava com seu pai.
Sua mãe havia a deixado lá com ele por algum motivo.
Ela não tinha memórias que sua mãe a visitava ou ligava.
Naquela época também não havia telefones ou celulares como hoje,
apenas um orelhão em frente a sua casa.
Lembrava-se de uma tia materna que a visitava algumas vezes com pequenos presentes;
Balas, bombons, frutas…

Uma vez esta tia foi visitá-la e perguntou a ela se ela sabia ler e escrever.
Ela ainda era pequena, era claro que não sabia.
Então esta tia disse a ela para aprender, e lhe deu um endereço da casa de sua mãe.
Disse para ela aprender bem logo e a impulsionou a escrever cartas.

Então quando ela guardou aquele papel com endereço dentro de seu travesseiro.
Se esforçou bastante e naquele mesmo ano aprendeu.
Assim que aprendeu a ler e escrever, ela começou a escrever as tão sonhadas cartas para sua mãe. Eu perguntei o que ela escrevia e então ela fez esta narração.

(Cartas)

1ª Carta
De: xxxxxxxxx
Para: Mamãe

Querida mamãe eu sua xxxxxxxx filha. Estou com xx anos, e eu moro aqui em xxxxxxxxx/xx.
Eu estudo na escola xxxxxxxx e estou na xxxx série. Eu queria muito te ver um dia.
Eu sonho conhecer a senhora. Beijos te amo.

Assinado: xxxxxxxxx sua filha.


2ª Carta
De: xxxxxxxxx
Para: Mamãe

Querida mamãe acho que a senhora não recebeu minha carta, todo dia eu espero o carteiro e ele fala pra eu esperar mais um pouco que sua carta vai chegar.  Acho que você não recebeu ainda por isso estou te mandando outra. Hoje eu fui ao dentista da escola e fiz obturação.
Eu não chorei lá no dentista, por que no dia que você vir me buscar eu quero estar com o dente bem bonito.  Beijos te amo.

Assinado: xxxxxxxxx sua filha.


3ª Carta
De: xxxxxxxxx
Para: Mamãe

Querida mamãe acho que a senhora não recebeu minha carta ainda, o carteiro me falou que o caminhão do correio tombou e que ele aposta que minha carta estava lá naquele caminhão. Então estou te mandando esta, por que dessa vez você vai receber. Eu vou dançar quadrilha na escola daqui uns dias. Meu sonho é você vir me buscar. Eu te amo muito! Beijos te amo.

Assinado: xxxxxxxxx sua filha.



4ª Carta
De: xxxxxxxxx
Para: Mamãe

Querida mamãe acho que a senhora não recebeu minha carta ainda, o carteiro me falou que a moça do correio foi ganhar um bebê e não está trabalhando, por isso minha carta não deve ter chegado. Então estou te mandando mais esta. Agora eu vou escondida lá no correio perguntar se sua carta chegou, por que eu acho que o carteiro não está trazendo minhas cartas. Eu vou ser a princesa Isabel na escola daqui uns dias, eu gosto muito da história dela. Mamãe eu estou sonhando com você todo dia. Também estou aprendendo a fazer comida e limpar casa, aqui todo mundo me fala que sou igualzinha você, faladeira e trabalhadeira. Vem me buscar. Eu te amo muito mesmo. Beijos te amo.

Assinado: xxxxxxxxx sua filha.


5ª Carta
De: xxxxxxxxx
Para: Mamãe

Querida mamãe xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Beijos te amo.

Assinado: xxxxxxxxx sua filha.


6ª Carta
De: xxxxxxxxx
Para: Mamãe

Querida mamãe xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Beijos te amo.

Assinado: xxxxxxxxx sua filha.


7ª Carta
De: xxxxxxxxx
Para: Mamãe

Querida mamãe xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Beijos te amo.

Assinado: xxxxxxxxx sua filha.


8ª Carta
De: xxxxxxxxx
Para: Mamãe

Querida mamãe xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Beijos te amo.

Assinado: xxxxxxxxx sua filha.


xxª  Carta
(Última)
De: xxxxxxxxx
Para: Mamãe

Querida mamãe eu sei que você não vai receber esta carta, mesmo assim vou escrever.
Meu avô me disse que você está presa num castelo, que uma bruxa má te prendeu nele e que você está esperando um príncipe te soltar.  Me perdoa por duvidar de você naquela outra carta que eu escrevi. Eu te amo muito, não sabia que você estava presa. Aqui onde eu moro não tem bruxa, mas tem saci, tem vampiro e alma penada perto do cemitério e eu morro de medo deles. No meu quintal também tem uma arvore que fala.
Eu sinto saudades de você, queria muito te ver, te conhecer, te dar um abraço do tamanho do rio. Mas eu sei que você está presa num castelo esperando um príncipe te soltar pra depois vir me buscar. Todos os dias eu rezo pra este príncipe ir logo aí.  Beijos te amo.

Assinado: xxxxxxxxx sua filha.



Bem, ela me contou tudo o que escreveu em todas as cartas com riqueza de detalhes.
Mas eu reproduzi apenas algumas com a máxima integra.
É claro que usei a linguagem de um adulto, e não a de uma criança; mas segundo ela suas cartas eram cheias de flores, corações, desenhos e beijos de batom que ela passava escondida.

O tempo passou e sua mãe nunca respondeu nenhuma de suas cartas.
Ela se lembra de ter mandado no mínimo umas vinte e poucas.
Então ela foi se ocupando de outras coisas e foi crescendo, mas ver o carteiro era ver um fio
de esperança. Ela sempre se sentia apreensiva quando ela passava na rua dela.
No fundo no fundo, ela sempre esperou uma resposta, mesmo sabendo que não teria.
Depois ela pensou que sua tia devia ter passado o endereço errado.
Depois ela deixou pra lá.
Cresceu e esqueceu as cartas…

Na adolescência ela finalmente foi morar com sua mãe, conhecê-la.
Bem, as coisas não foram como ela sonhava, mas ainda sim ela estava muito feliz.
Ela morou apenas dois meses com sua mãe, e nesses dois meses ela cuidava da casa e dos irmãos menores. Não demorou muito pra ela perceber que castelos e príncipes não existiam.
E uma mãe idealizada também não.

Quando ela conheceu a mãe contou a ela que tinha mandado muitas cartas, e a mãe disse que nunca recebeu. Ela ficou aliviada! Muito aliviada.
Embora tivesse percebido que o endereço que ela mandava as cartas era mesmo aquele.
Mesmo assim ficou aliviada…

Um dia ela foi arrumar a casa e levantou o colchão da cama para limpar as grades e
encontrou lá dentro de uma sacola da loja c&a todas as cartas que ela havia mandado.
E todas as cartas estavam lá guardadas, amareladas, lacradas, fechadas…
Seu coração disparou!
Ela sentiu uma dor profunda no peito, dor do desprezo, dor da mentira, dor da infância.
Abriu todas as cartas e leu novamente.
Chorou , chorou, chorou.
Levou até o fundo do quintal e ateou fogo…

Acabou de limpar a casa e cuidar dos irmãos.
Esperou a mãe chegar para que os irmãos não ficassem sozinhos e durante a madrugada fugiu de casa. Foi embora e nunca mais voltou a morar com ela. (a mãe)
Naquele dia ela enterrou a esperanças, ou melhor, queimou junto com aquelas cartas.
Eu nem posso imaginar como isso foi pra ela, posso escrever, mas não posso nem imaginar tamanha dor que ela me descrevia naquele momento.

Parece que eu havia mergulhado no mais profundo da vida dela e voltado.
Eu não agüentaria ter passado por aquilo.
Acho que pouca gente agüentaria.
Nessa altura eu já havia tomado mais três doses e ela também.
Eu que deixei de ser fumante há dois anos, senti vontade de devorar aqueles cigarros dela.
Mas não o fiz, afinal a dor não era minha. Não posso sentir a dor de outro alguém.

Eu não pude acalmá-la, nem dizer palavras reconfortantes.
Eu não sei fazer este tipo de coisa, e pouca gente sabe disso.
As pessoas me idealizam pela minha poesia e eu preciso deixar claro que não sei mesmo.
Não sei dizer coisas doces, nem confortar quem chora.
Mas eu sabia desde que a encontrei e me sentei naquele boteco que eu podia escrever os sentimentos dela. Eu sabia que podia, eu sabia que eu precisava. Então o fiz…

Bem, convidei ela pra ir a minha casa e ela foi, sentou-se no meu sofá e dormiu de tanto chorar. Eu não chorei com ela, mas quis. Liguei para Eddy pra avisar que ela estava lá chorando no nosso sofá, que ela estava lá precisando de mim naquele momento. E ela de tão maravilhosa nem hesitou ajudá-la. Por isso ela é essa rocha fria.

Acontece que ela já havia esquecido daquilo tudo e se lembrou por que uma amiga havia lhe mandado uma carta via Correios com um cartão postal da Noruega.
Quando ela viu aquele envelope:

De: xxxxxx
Para: xxxxxxx

Isso foi o bastante para tudo vir à tona, sabe aquele envelope com no nome dela.
Aquele carteiro procurando por ela.
Ela relembrou de tudo e então ela me ligou, me encontrou me contou tudo o que eu escrevi aqui. Ela me pediu para transformar isso num conto, e eu me sentei aqui agora com a certeza que um conto não cabe nesta história.

Eddy já chegou em casa.
Então ficamos olhando ela dormir por um tempo.
Senti a dor dela e só por isso estou sendo capaz de transmiti-la.

Mais uma dose e cá estou eu super bêbada narrando esta trajetória.
A trajetória das cartas lacradas.
Das cartas que foram escritas e não foram lidas.
Das cartas de uma filha para uma mãe.

As cartas dessa minha amiga que está jogada no meu sofá.
Dessa amiga que confiou a mim escrever a dor dela.
Dessa amiga que eu quero abraçar tanto, tanto como se o abraço fosse do tamanho do rio como ela mesma gosta de dizer.

Eu nunca tenho certeza de nada na minha vida por causa da minha inconstância.
Mas quer saber?
Eu tenho um grande certeza neste momento:
Eu nunca mais vou olhar um envelope de carta da mesma maneira.
Eu nunca mais vou olhar pra um carteiro da mesma maneira.
Eu sempre vou me lembrar das cartas dela.
Das cartas que ela escreveu, do jeito que ela me contou.
Eu nunca mais vou esquecer daquelas malditas cartas que feriram o coração dela.
Daquelas cartas lacradas…

FIM…

Observação:
Minha amiga acordou se sentindo bem hoje, leu esta a narração e aprovou.
Pediu que eu publicasse nas minhas redes, o que vou fazer com muita honra.
Então esperamos que alguém leia, afinal é um texto grande.
Ela vai ficar perambulando minhas redes que eu sei.
E só agora me dei conta que não sou eu quem estou escrevendo e sim ela por meio de mim.
Só agora entendi que ela está esperando que alguém leia aquelas malditas cartas que não foram lidas por sua mãe.
Estou feliz e grata por isso.
Hoje me sinto merecedora de existir
só por ter conseguido escrever esta narração para ela.
Minha amiga do outro lado da tela, que está esperando que alguém a leia.

História real de; xxxxxxxxx.
Narrada por; Daniela Dias.


(Sobre afirmações)

(Antes de qualquer coisa devo informar; não é poesia, é sarcasmo e chateação.)

Hoje eu precisei engolir a seco e ter coragem para abandonar o lirismo e escrever este texto.
Que fique claro, não é poesia. É apenas uma maneira que encontrei de extravasar o aborrecimento, a raiva. Hoje eu quero escrever sobre uma estatística que eu mesma formei.
E eu nem vou ficar chateada se ninguém passar por aqui pra ler este texto arrogante gigante.
Eu sei que no fundo eu só preciso escrever para desabafar, tenho me sentido tão impotente…

(Sobre afirmações)

Afirmação!
Imprópria.
Sem ópio.
Sem ócio.
Sem ofício.
Irreal.
Cruel.
Perigosa.
Infame.
Inflame!
Frustrante;
Inconveniente.
Cuidado!
Muito cuidado com as palavras!

Parece loucura, mas cinco ou seis a cada dez seres humanos, tem a força de Sanção nas palavras na hora de afirmar coisas extremamente grosseiras sobre a sexualidade do outro ser
humano que não cabe dentro do seu corpo, nem do seu contexto, moral, cívico, religioso.
Afirmam sobre o outro, como se fossem as verdades absolutas de suas próprias vidas.
Aquelas que nem eles mesmos têm.
Mas por quê?
Eu me pergunto a cada afirmação irresponsável:
- Por lhes cabe afirmar sobre a vida do outro, a fé do outro, a sexualidade do outro, a religiosidade ou a falta dela na vida do outro?
Por quê?
Tenho vontade de gritar arrancando do meu peito toda agonia e desprezo que sinto.
Por quê?

Cinco ou seis de cada dez seres humanos não se importam em ferir com palavras.
Cinco ou seis de cada dez seres humanos já me abordou, ou abordou alguma amiga afirmando que nossa escolha de sexualidade se deu por conta de estupros cometidos contra nós na infância ou pelo menos afirmam que a maior parte de nós mulheres, ‘’decide’’ ser lésbica por este motivo.

Que merda é essa?
Que loucura!
Que esdrúxulo!
Que nojento e inconveniente é ter que ouvir isso!
Que frustrante!
Que desgastante!
Quanta ignorância…

1º Primeiro, eu penso que é uma tolice afirmar sobre as escolhas do outro para a própria vida dele. Afinal, já é bem difícil lidar com a própria vida. Então só me pergunto, por quê? Por que a vida do outro te incomoda tanto?

2º Segundo, se partíssemos do princípio que para uma mulher ‘’decidir, escolher’’ ser lésbica isso se deu por conta de abusos e estupros.
Opa! Calma aí!
Quantas mulheres héteros restariam neste mundo?

3º Terceiro, supondo grosseira e ignorantemente que uma mulher ‘’decide, escolhe’’
ser lésbica por que foi abusada, então opa!
Como assim?
Então as mulheres que ‘’decidem, escolhem’ ser héteros, são héteros exatamente por que foram molestadas por uma outra mulher na infância, se enojaram da situação?
 Pluft!
Tornaram-se mulheres abaladas psicológicamente e assim portanto, héteros.
Que coisa não!

Eis aí as afirmações que somos obrigadas a ouvir, chega ser grosseiro até reproduzir. E olha que estou tentando usar palavras de bom grado pra não apodrecer, nem empobrecer o texto com tanta ignorância. Com tamanha arrogância que os outros tem tido sobre mim, sobre nós, mulheres, mães, lésbicas ou héteros, por que sobre as mulheres trans, nem vou comentar neste texto, por que não teria papel que daria conta.

Afirmação:
Eis minhas conclusões a partir da ignorância alheia:

(a) MENINA ABUSADA OU ESTUPRADA POR HOMEM = MULHER LÉSBICA
(b) MENINA ABUSADA OU ESTUPRADA POR MULHER = MULHER HÉTERO
(c) MENINA ABUSADA OU ESTUPRADA POR HOMENS E MULHERES = MULHER BI?
(d) MENINA QUE NÃO FOI ABUSADA NEM ESTUPRADA = MULHER ?

Ah! A lera (d) é sem definição, pois ela teria que ter sofrido algum tipo de abuso pra escolher sua sexualidade. Dadas as estatísticas reais sobre abuso infantil e estupros, façam as contas.
De cada dez mulheres, pelo menos oito declaram que já foram molestadas, ou sofreram algum tipo de abuso na infância. Imaginem só se fôssemos levar isso do abuso definir a sexualidade a sério.

Gente! Parece tão absurdo né, ler essas coisas sem fundamento.
Mas querem saber o que é pior?
Pior é ter que ouvir isso.
Pior é ter que se deparar com gente idiota, intolerante e de boa fé fazendo essas afirmações.

Só uma dica:
Afirmar sobre a vida do outro é como andar num campo minado de bombas.
Ninguém escolhe ser gay ou lésbica, como ninguém escolhe ser hétero.
Ninguém escolhe que vai querer ser visto como um ser molestado, estuprado.
Ninguém escolhe ser vítima de tanta hipocrisia, violência, física, psicológica e verbal dessa maneira.
Ninguém escolhe ser violado de todas as formas possíveis a começar pela própria família.

Se você entende as escolhas que você fez pra sua vida, respeite as escolhas do outro.
Se você não entende, procure entender.
Deus me livre!
Mas este mundo está cheio de pessoas cruéis.
Pessoas cruéis com lâminas nas línguas.
Santa ignorância!

Imagina só se eu começasse a perguntar para as mulheres héteros se elas são héteros por que alguma mulher abusou delas na infância?
Isso seria tão nojento, tão cretino!
Imagina se eu afirmasse isso sobre elas?
Sério, desculpem a palavra, mas isso é muito escroto.
Não façam isso com ninguém.
Sério mesmo.
Termino este texto por aqui, por que meus ânimos estão exaltados.

Por favor!
Cuidado com o que vocês falam.
Por favor!
Cuidado com o que vocês afirmam.
Por favor!
Cuidado com o que vocês perguntam.
É como eu disse a vida, a estrada do outro é como um campo minado…

(Daniela Dias.)




(Nós)

(Nós)

Ao seu lado eu quero ser;
Um ser que evolui e se revela.
Viver muitos anos!
Ter uma casa amarela.
Ser uma velha, debruçada na janela.
A beira do cais sorrindo banguela.
Meu amor…

Construção diária:
Você!
Eu!
Casa amarela!
Sem cabelos pra pentear.
Sem dentes pra escovar.
Na beira do cais.
Sorrindo e nada mais.
Debruçada numa janela.
(Velhas)
Você e eu.
Nós…

- Escrevendo poesia e cantando paranauê…

Daniela Dias