#blog-pager { display: none; }

Biblioteca de Fanzines

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Ela

[Este poema foi escrito por conta do meu desconforto com o absurdo dos inúmeros casos de abuso infantil no Brasil e no mundo. Uma pesquisa recente da Policia Federal, aponta que só no Brasil, a cada oito minutos uma criança é violentada. Isto é, o tempo que você levará para ler este poema. E me perdoem os fracos, mas este poema foi escrito para pessoas fortes.]

Recomendo a leitura com o fundo musical "Song of Complaint" (John Debney)

Ela

Um dia ela nasceu.
Era mais uma menina no mundo onde nascem tantas outras.
Era do sexo feminino.
Era frágil.
Um dia ela nasceu...

Um dia ela nasceu.
E era para ela ser o bebê da família.
Mas ela não foi.
Teve seu futuro destruído ainda no ventre,
depois no berço o seu destino se consolidou.
Nasceu...

Aos poucos ela foi crescendo, e o inesperado acabou acontecendo.
Os monstros vieram à noite!
Eles vieram.
E sua inocência acabou.
Era para ela ser só uma menina.
Era para ela ser o bebê da família...

O pai, os tios, os vizinhos, eles também nasceram antes dela.
Nasceram do sexo masculino.
Era para eles protegerem ela.
Mas, não protegeram.
Ela nasceu.
Ela cresceu.
Ela perdeu a inocência...


Depois de ter sangrado.
Depois de ter seu corpo dilacerado.
Depois de ter coração despedaçado.
Ela que já havia nascido, cresceu.
Deixou de ter fé na humanidade e em Deus.
Por que os monstros saíram de debaixo de sua cama e a pegaram.
A menina desapareceu...

Depois ela ficou mocinha.
E novamente os monstros apareceram.
Em casa, na feira, no mercado, na padaria.
E onde quer que ela fosse os monstros sempre apareciam.
E ela por sua vez desaparecia.
A menina que já havia nascido, crescido, aos poucos morria e ninguém percebia...

A mãe, a avó, a tia, a irmã, a prima...
Todas elas nasceram antes dela, nasceram do sexo feminino.
Era para elas perceberem! Era para elas a protegerem!
Mas elas não perceberam.
Elas não protegeram.
E a menina acabou falecendo...

Logo ficou adulta, pensou que a vida seria diferente!
Quando ainda era menina viva, sonhava crescer, ser gente!
E ela cresceu.
E ela lutou, mesmo tendo morrido sua menina.
Ainda sim ela lutou.
Foi trabalhar pagar as contas.
Ser gente grande!
Mas os monstros estavam destinados a ela.
No primeiro, no segundo, no terceiro emprego, no quarto, no banheiro, na cozinha,
no trabalho, na rua, no mundo...
E tudo o que ela sentia é que não havia lugar para ela.
Não!
Não havia um lugar para ela, onde ela se sentisse segura.
Por que tudo o que ela aprendeu é que os monstros estavam por toda parte.

Isso tudo se deu por um dia ela nasceu.
Nasceu menina.
Nasceu do sexo feminino.
Nasceu frágil.
Nasceu, cresceu e virou mulher.
Que de tão forte!
Desmanchou o dor e fez uma rima.
De saudade daquela menina.
Que perdeu a inocência.
Por ter nascido menina.
Do sexo feminino.
Frágil sem que ninguém a protegesse...

Por: Daniela Dias.