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Biblioteca de Fanzines

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Fragmentos

(Este poema foi escrito num momento muito íntimo, eu nem iria publicá-lo pelo cunho religioso que ele representa, uma vez que não pertenço, nem represento nenhuma religião, mas não posso simplesmente negar minha história, então tomei coragem. Recomendo a leitura com o áudio do toque de Iúna, tomei liberdade de deixar o link de um bom áudio aqui.)
Link: https://youtu.be/OHvAegcTsCE

Fragmentos

Há quem afirme que ninguém foge daquilo eu está destinando a ser.
Eu por desacreditar num destino traçado, afirmo apenas que ninguém
foge aquilo que deseja ser.
Eu acredito na memória, na vivência e na ligação íntima que podemos ter
com estes fragmentos que estão dentro nós, fragmentos que foram plantados
ou deixados, ainda que por querer ou por mero acaso…

Eu tenho uma ligação íntima com santos, cantos, plantas e orixás!
Eu tenho uma ligação íntima com mirra, incenso, e Iemanjá.
Eu tenho uma ligação íntima com Vovó Margarida, Preto Velho,
Zureta e perfume de alfazema.
Eu tenho uma ligação íntima com velas, saias brancas, espelho, cachaça e Jurema.

Eu não sou filha de nenhum pai e nenhuma mãe, mas quanto o ponto aponta
o corpo arrepia e o  sangue se apronta!
Nasci e cresci num centro, dançando e cantando ponto…
E o que mais me encanta são os cheiros impregnados nas paredes da minha
memória onde eu sempre encanto.
-Arruda, cânfora, carqueja, batons e champanhe cereja.
Cores brancas, cores azul turquesa.
Pulseiras de pedras,  colares e cachimbos na mesa…

Eu tenho uma ligação íntima com vermelho, com Nanã, Yansã,
Oxossi e Oxumaré, cantos de giras e grandes pajés.
Com barbantes, café amargo, espadas de São Jorge, comigo ninguém pode.
É bastante forte!
Memórias impregnadas são trevos da sorte!

Eu tenho uma ligação forte com Oxum, Ogum, polenta, pimenta, urucum.
Estátuas e imagens estão aqui dentro do meu  baú.
Ossaim, Oxaguian, Ewá, Obá, tempero, terreiro, farinha e Oxalá.
Pentes, pingentes, Exú, Omolu…

Eu tenho uma ligação com xícaras, banquinhos de madeira, peneira,
esteira, Xangô e cidreira.
Bule, xale, chaleira…
Eu cresci perto do rio, mas o que eu amei foi sempre o mar,
e ser dor mar ainda é minha escolha.
Fuço daqui, fuço dali, fuço de lá, lendas e crenças da cabeça até ponta do pé.
Oiá, oié, já ia me esquecendo falta Logunedé.

Das lembranças ainda os medos!
O tranca rua, as pomba giras e espíritos festeiros.
Travesseiros, patuás, simpatias e quitandeiros.
E assim vou me reafirmando, minhas memórias vou registrando.
Fragmentos!
Travessas de louça, de barro, coador de pano, soleira de porta, chaleira chiando…

Eu tenho uma forte ligação com toque de sino, referência na mesa, copos de água, filtro de barro, comida enfeitada.
Sabiá no cachimbo pitado, garrafa de mel, folclore pra todo lado.
Pilão pilando, tambor tocando, pandeiro girando, mulher rodando,
berimbau tocando, guia chegando, fumaça soprando!

Fragmentos!
Banho de puxa vegetal, tomar xixi de criança era a cura de todo mal…
É.
É!
É…
Eu tenho uma ligação muito íntima com os fragmentos da minha memória.
Ser neta da velha Amélia é minha melhor história.
É intimamente um laço de valor que não se pode ser calculado.
Não é destino, nem é legado.
É fragmento.
É escolha.
É minha ligação…

(Daniela Dias)