(Encontro no 606)
Era tarde, o dia havia sido puxado no
trabalho, fomos às compras no supermercado.
Demoramos mais do que deveríamos acabou
anoitecendo, compramos mais do que poderíamos carregar numa moto, então
decidimos que uma de nós levaria um pouco das sacolas de moto e que a outra
levaria o restante de ônibus.
De onde eu estava o ônibus que eu
precisava era o 606, fui para o ponto de espera.
Chegando lá no ponto apenas uma moça
esperando. Era uma moça de cabelos coloridos, e a julgar pelo fato de que os
pontos de ônibus estão sempre cheios,
deduzi que devia ter acabado de passar
um por ali. Portanto, teríamos que esperar pelo menos uns 15 minutos até o
próximo.
Estava escuro, a moça estava encostada na
placa de sinalização do ponto.
Na verdade ela se encostava e desencostava
o tempo todo, não matinha o corpo quieto. Sua expressão era de raiva, ira,
chateação com uma leve sintonia de tristeza.
Eu fiquei uns minutos observando-a.
Era uma moça bonita!
Chegue mais perto dela, mas não muito
perto a ponto de incomodá-la.
Uma outra moça também cheias de sacolas
do mesmo supermercado parou pra falar com ela. Elas se abraçaram, ela sorriu
rapidamente e já fechou o sorriso, começou a reclamar de um imprevisto que
tinha acontecido a ponto de deixá-la nervosa.
Eu bisbilhoteira fiquei ouvindo a
conversa. Na verdade eu não tinha outra opção.
Ela roia os dedos e agitava os pés,
passava a mãos no peito como demonstração da fadiga e do estresse. É!
Definitivamente ela estava estressada. Irritada!
Cheguei perto dela bem sorridente. Li em
algum lugar que quando nós sorrimos para as pessoas, por empatia elas sorriem
também, pois o cérebro comanda estímulos simultâneos. Então cheguei mais perto
sorridente, bem sorridente! Ela sorriu de volta!
Era um sorriso lindo, numa moça de
cabelo colorido.
Lamentei o mal-entendido ocorrido com
ela. E então ela começou a falar sem parar a mesma história que tinha acabado
de falar pra outra moça, que já havia se despedido.
Eu fui sorrindo e falando pra ela se
manter calma, e fui ouvindo o que ela dizia. E ela falava, falava, falava…
O ônibus 606 chegou e eu fiz questão de
me sentar perto dela.
Aí ela continuava falando sem me olhar
nos olhos, acho que isso se dava pela falta de intimidade e pelo ânimo exaltado
que ela estava. Eu falei sobre mim, e ela sobre ela.
Ela não percebeu, mas depois de
desabafar, pelo menos naquele momento ela ficou calma.
Bem, pelo menos aparentemente! Por que ela
já não demonstrava isso em sua expressão facial e corporal. Os pés já havia se
acalmando. E as pernas também já haviam parado de se balançar. O corpo não
estava mais na defensiva.
Estava perto do meu ponto de descida.
Eu a cumprimentei, disse que ficasse calma
por que ela era mesmo linda e jovem pra ficar estressada. Tentei animá-la com a
afirmação que estresse causa rugas.
Abri minha bolsa, tirei um dos meus cartões
de visita e disse que escrevia coisas. Estendi a mão e entreguei-o pra ela. Ela
aceitou.
Como poeta é meio que médico de almas,
eu recomendei eu ela lesse poesias pra ficar mais leve. Eu sorri, ela sorriu. Estendi
a mão com um gesto de adeus, e ela também.
Hoje já tem três dias que isso
aconteceu, e isso foi só uma cena do cotidiano, eu sei.
Mas senti que precisava escrever a
importância desde encontro do acaso.
Raramente ando de ônibus, nunca demoro
no supermercado, sempre compro o que consigo carregar, e neste dia o universo
conspirou para que eu precisasse utilizar os serviços do 606. O universo
conspirou para que eu a encontrasse e a ouvisse.
No meio da correria do dia a dia, de
repente tudo o que nós precisamos é de alguém que se disponha em parar pra nos ouvir,
é alguém que apenas sorria para nós.
Acho que só estamos precisando um pouco
disso, entende?
De alguém que pare e nos ouça, nos olhe,
nos abrace ou apenas sorria.
E eu ainda estou aqui pensando em como
encaixar neste texto o que mais me encantou nela no primeiro impacto do olhar, com
toda certeza foram os cabelos coloridos. Como eu poderia me conter em escrever
sobre a conspiração do universo a um encontro com aquela moça de cabelos
coloridos no ônibus 606? Não poderia!
-Um sorriso, um afago, um ouvinte, um
abraço…
(Daniela Dias)