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Biblioteca de Fanzines

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Passeio de barco

 (Passeio de barco)

Recordar nem sempre é bom, recordar nem sempre é preciso.
Volta e meia meu baú de memórias me trai, abstrai de mim o pior.
Ao contrário dessa volta e meia, neste momento me trouxe a tona o melhor.
Minha memória.
Enfim uma boa memória!

Um passeio de barco rumo ao mato, arco-íres no céu, flecha e arco.
Pelo tamanho que lembro, era por volta dos meus seis a sete anos.
Uma fila de crianças.
Coletes salva-vidas.
Um barco marrom a motor.
Era guiado por um homem bem parecido com um índio, no entanto vestido.

Antes de entrarmos no barco, um homem que chamávamos de tio anotava nossos nomes.
A fila era do menor para o maior.
Eu era mirrada, fiquei bem no começo.
Era lindo, eu não sabia escrever, mas achava lindo o tio escrevendo no papel amarelado.
A caneta vermelha se mexendo nas mãos dele enfeitiçava meus olhos.
Todos a postos!
Hora de entrar no barco.
Um a um fomos entrando com a ajuda do tio.
Mas na minha vez o tio me mandou esperar.

Meu coração acelerava!
Pensei que não iria poder entrar no barco.
Aí ele gritou pra moça que ajeitava as crianças no barco;
‘’- A filha do Tupi tem que ir bem no meio. Ela não sabe nadar. A avó dela disse que ela tem que ir no meio. ’’
Ufa!
Eu ia poder passear no barco, Tupi é o apelido do meu pai. Minha avó nunca me quis perto do rio e ela me deixou ir, ir no meio. Como se ir no meio mudasse o fato deu não saber nadar, enfim…

Fiquei envergonhada por não saber nadar, devo informar que ainda não sei.
Depois fiquei com medo do barco afundar e depois fiquei feliz por que era incrível!
Só pensei por que tive que ficar na fila, já que não poderia entrar logo, eu queria ter ficado na ponta, mas fiquei no meio, as outras crianças tapavam a visão, mas no fim das contas meu coração pulava!
Alguém perguntou o nome do tio e ele disse que era Márcio.
Alguém perguntou o nome do rio e ele disse que era Rio Itueta.
Falou que não podíamos balançar o barco.
Puxou um coro de canções infantis, cantigas de roda e nós batíamos palmas…


Atravessamos o rio.
Lá catamos pedrinhas coloridas, eu guardei uma na calcinha por que não tinha bolso.
É curioso! Até hoje sempre que visito um lugar diferente guardo pedras de recordação.
Ele nos disse que não podíamos arrancar as flores, nem plantas.
Eu estava cansada demais pra andar, é que quando sinto medo minhas forças acabam.
E eu senti muito medo!
Então deitei no chão pertinho da margem do rio.
Deitada no chão eu olhava pra cima, via as nuvens no céu formando desenhos.
Ouvia os pássaros cantando e as árvores balançando.
Isso durou muito tempo…

O tio voltou, me deu pão com mortadela e suco de uva, aqueles de pacotinho.
Ainda adoro suco de uva! Principalmente o de pacotinho.
Todos comemos e fizemos uma nova fila.
Mais uma vez eu fiquei na frente por conta da fila ser do menor para o maior.
Mais uma vez o tio disse que eu ia ficar no meio.
Mais uma vez fiquei no meio.
Na volta ninguém cantava.
E do barco vimos o que o tio chamou de capivara.
Quando eu esticava o pescoço e conseguia ver a água, eu queria saber nadar.
O rio era tão bonito!
Era o rio de Itueta.
Mas que memória boa.
Meu passeio de barco no rio Itueta em Minas Gerais…

‘’Sinto minha infância impregnada no meu dia a dia, cada memória revive o bem e o mal que existe dentro de mim…’’

(Daniela Dias)