(Teatro)
O tom da música fazia estadia, moradia poesia.
E a imensidão do sentimento fazia um breve repousar nas
nuvens sem sabores que decoravam o céu da minha boca
enquanto eu me despia, enquanto eu me despedia;
A música fazia…
Outro dia ouvi aquela música, lembra?
Lembra? Diga que se lembra!
Sabe, daquela música que fazia a gente florir em noites de inverno
e viajar sem sair do lugar para qualquer estação!
O tom da música fazia estadia, moradia, poesia.
Ah, a música fazia…
(Teatro)
Olha!
Caso você tenha se esquecido, vou descrever como era quando nos
amávamos:
‘’Você me ligava dizendo que viria, eu me arrumava pra te esperar.
Você apertava a campainha, eu abria a porta sorrindo.
Nós nos olhávamos.
O silêncio pairava.
Você entrava e se sentava no meu velho sofá.
Eu te oferecia café e você nunca aceitava.
Eu falava milhares de palavras e você apenas assentia que entendia.
Eu tomava milhares de cafés, te pintava, te desenhava, te escrevia, te
descrevia!
Enquanto isso aquela música a gente ouvia!
Uma, duas, três, vinte, trinta, quarenta vezes.
Sorríamos!
O tom da música fazia estadia, moradia, poesia.
No mundo inteiro era apenas você, eu, meus cafés, meus cigarros, sua
vodka,
minhas mãos, seus olhos pequenos e brilhantes, o sofá velho, aquela
música e a despedida.
Lembra daquela cadeira velha, lembra?
Diga que se lembra!
Daquela que eu me sentava para observar você no canto da sala com o
corpo entornado no meu sofá, enquanto pousava pras minhas fotografias, enquanto
a música tocava…
Enquanto meu coração delirava de amor.
Foi uma cortina de ilusão, eu sei.
Foi puro egoísmo.
Foi teatro.
Foi imaturo a maior parte das vezes.
Foi arte.
Foi amor.
Um amor puramente teatral.
Mas ainda que tudo tenha sido apenas um teatro, nós nos amávamos
enquanto
estávamos em cena...Mas um dia a peça acabou. E eu só preciso que você
não se esqueça,
eu só preciso que você saiba que não esqueci. Foi boa encenar com você.
Foi bom…’’
(Teatro)
Estou hoje feito moribunda relembrando aquela peça que nos pertenceu.
Estou ouvindo aquela velha música, tomando sua vodka, sentindo o gosto
do duplo sentido.
-Sentindo.
Sem saber, se é dor, saudade ou vaidade.
Hoje estou pensando em você.
E a imensidão do sentimento momentâneo está fazendo um breve repousar
nas
nuvens sem sabores que decoram o céu da minha boca, enquanto sinto o
gosto do sal…
Foi teatro!
Eu sei.
Mas naquele momento era real, nós nos amávamos…
(Daniela Dias)